“Legado” não é palavra para se usar à toa. Uma conversa entre gênios me mostrou nosso novo job description: imaginar melhor, aquecer corações e contribuir para um futuro mais justo
*Fábio Milnitzky Atualizado em
Cena da série Upload, da Amazon (Foto: Liane Hentscher / Amazon Studios)
Muita gente acompanha o relatório de tendências da futurista Amy Webb,
fundadora e CEO do The Future Today Institute. Mas uma conversa recente e
interessantíssima de Amy com uma pessoa bem diferente dela passou quase
despercebida.
O interlocutor de Amy foi Greg Daniels, uma das mais importantes mentes criativas do mundo. Os dois participaram de um painel juntos em 11 de março, durante o festival de inovação SXSW,
em Austin, Texas. Greg, escritor, produtor e diretor, tem no currículo
The Office, Saturday Night Live e Os Simpsons. Seu mais recente show,
Upload, entrou na segunda temporada no Amazon Prime após uma primeira de
muito sucesso. Upload
é uma série que mostra como serão nossas vidas integradas à tecnologia
num futuro próximo. Brinca com a possibilidade de que será possível
fazer um download da consciência antes da morte e um upload - em um novo
formato de vida - em um dos seis universos desenhados (adivinhem por
quem!) pelas big techs.
A série nos deixa com um gosto amargo e doce na boca. Assim como as previsões de Amy,
que usa milhões de dados para chegar a seus insights, apresentados com
foco em preparações para o futuro e não previsões, como ela mesmo
define. O trabalho dela é nos convidar a considerar possibilidades
alternativas e novas visões do que o futuro pode guardar. Mas o que une
uma futurista quantitativa como Amy a um artista criativo como Daniels?
Ao
serem confrontados por essa pergunta, ambos citaram a mesma referência:
Isaac Asimov, escritor russo nascido em 1920, que ficou conhecido como
uma espécie de pai da ficção científica. Entre suas obras, “Fundação” e
“Eu, Robô” são algumas das mais famosas. Seu trabalho, vasto, cobriu
temas como consciência, mortalidade, ética e tecnologia, exploração
espacial e a possibilidade de prever o futuro.
Durante essa
conversa informal e improvável, ficou ainda mais evidente para mim, que o
papel do profissional de marketing vai passar por uma transformação
ainda maior do que a dos últimos anos. Esse profissional, hoje, já
trabalha com a união indissociável do online com o offline, com novas
mídias assumindo o papel da TV (HBO Max, Amazon Prime e YouTube têm
transmitido, por exemplo, fogos de futebol ao vivo) e com podcasters se
tornando autoridades nos mais diversos temas (não faço aqui juízo de
valor). Acima de tudo, o profissional de marketing deixou de trabalhar
em uma lógica unidirecional para ser parte das conversas que já ocorrem
na sociedade. Mais do que criadores de narrativas, teremos de garantir
posicionamento por meio de atitudes. Basta ver o que está acontecendo na
Rússia, com diversas empresas deixando o país e os lucros que aquele
mercado gerava.
Tudo isso sem falar na integração com vendas, em
que a mídia programática passou a bombardear os consumidores a partir de
um volume de dados “infinito”, que deveria criar conexões, mas muitas
vezes criam bolhas que nos fazem ver apenas aquilo que queremos.
A
tecnologia revolucionou a forma como o marketing opera e as
competências acima são apenas algumas das muitas que passaram a fazer
parte do dia a dia dos CMOs (Chief Marketing Officer) e daqueles que
ambicionam esse cargo. Mais do que storytellers, teremos de caminhar
além, num processo irreversível de transformar marcas em organismos
vivos, com visão de mundo e aspirações sociais.
Sim, seremos cada
vez mais exigidos a considerar fatos e dados. Contudo, a conversa de
Amy e Greg me leva a crer que faremos a diferença a partir da nossa
capacidade de imaginar contextos e cenários que até pouco tempo pareciam
impossíveis. Da nossa capacidade de transformar dados em informações,
ao mesmo tempo em que teremos de entender de forma antropológica e
social os públicos com quem falamos.
A conclusão de ambos é que
nada vai substituir o poder da imaginação. A capacidade humana de
sentir, vivenciar, sofrer e sorrir, somada a uma infinidade de estímulos
e possibilidades tecnológicas vai redefinir, nesse futuro ainda
desconhecido, a forma como vivemos – e, no limite, também a forma como
morremos.
Nesse futuro nem tão real, nem tão ficcional, o
Marketing encontrará seu lugar ao sol. Um lugar mais nobre, mais
respeitado, mais íntimo. Afinal, convenhamos, a palavra “marqueteiro”
não traz consigo conotação positiva. Bem, chegou o momento de
ressignificar essa palavra.
É quase irresistível voltar do SXSW e
não usar os buzzwords do festival -- diversidade, metaverso, NFT,
cripto, realidade aumentada, Cannabis, psicodélicos, biologia sintética.
Fica para outra vez. Há 25 anos nesse mercado, acredito que a raison
d'être de nossa disciplina nunca nos deu tantas possibilidades de
aquecer corações, iluminar mentes e contribuir para um futuro mais
justo. E, se todo marketeiro ficou um pouco perdido com a brusca mudança
de suas funções nos últimos anos, a imaginação é o que nos fará
encontrar, em nós mesmos, a inspiração para que nossas marcas mudem o
mundo para melhor. Porque o afterlife das marcas será o legado que vamos
deixar para as próximas gerações.
*Fábio Milnitzky, CEO e sócio fundador da iN – Consultoria de Marcas
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