Associação do setor, Mary Kay e Plano CDE
analisam impactos da pandemia sobre a atividade, que tem 54,7% das
atividades em torno de cosméticos e cuidados pessoais
Roseani Rocha
29 de maio de 2020 - 6h00

Modelo tradicional de venda direta cede espaço para o digital (Crédito: DGLimages/ iStock)
Como o nome da atividade diz, “venda
direta”, até pouco tempo também chamada de “porta-a-porta”, pressupunha o
contato direto entre consultoras/revendedoras e seus clientes. Um
clássico no varejo brasileiro, em especial no setor de cosméticos, onde
atuam marcas como Natura, Avon, O Boticário e Mary Kay, a venda direta,
no entanto, também foi afetada pela pandemia da Covid-19 e as
orientações de isolamento social, mas tem buscado caminhos para manter
as atividades.
Segundo a Associação Brasileira de
Empresas de Venda Direta (ABEVD), o País ocupa a 6ª posição global no
setor, tendo movimentado R$ 45 bilhões, em 2019, o que representou
crescimento de 1% sobre 2018. Para este ano, a entidade não se arrisca a
fazer uma previsão, mas sua presidente executiva, Adriana Colloca,
ressalta que a atividade é uma oportunidade de trabalho e renda para
quatro milhões de pessoas em todos os cantos do Brasil.
“Assim como toda a economia, a venda
direta sofreu impactos nos negócios em abril e maio. Porém, o setor foi
muito rápido em se ajustar e usar as mídias sociais, sites e aplicativos
para continuar o ritmo de vendas”, afirma Adriana. Ela também diz ter
percepção de que aumentou a procura pela atividade por parte de quem
deseja empreender ou ter uma fonte de renda.
“A dificuldade de inserção no mercado de
trabalho faz das vendas diretas uma das fontes de renda mais importantes
para as mulheres das classes CDE”, destaca, por sua vez Breno Barlach,
diretor de pesquisa e inovação da consultoria Plano CDE. O pesquisador
explica que as mulheres desse extrato social estão menos empregadas que
os homens CDE e que as mulheres das classes AB por dois motivos. O
primeiro é que não há empregos em seus bairros, mais afastados dos
centros, e sem empregos e com renda baixa elas têm de assumir o cuidado
com os filhos. A segunda razão é que todas suas conhecidas são do mesmo
bairro, com a mesma escolaridade e trajetórias de vida similares. Com
isso, não têm acesso a um “networking” capaz de indicá-las outras
oportunidades.
Mesmo antes da pandemia, a digitalização
já era uma tendência no setor, por conta da própria evolução da
sociedade. Afinal, a tecnologia chega mais rapidamente às classes
socioeconômicas mais altas, mas também vai se desdobrando com o tempo
para as demais e influenciando os hábitos de toda a população. “Já
vínhamos incentivando o uso de ferramentas digitais para a divulgação e
venda de produtos. A venda direta tem que acompanhar as tendências das
relações em geral. Se as relações estão cada vez mais digitais, a venda
direta segue esse caminho”, pontua Adriana, da ABEVD, pra quem a força
de vendas dessas empresas também ajuda que itens de cuidados pessoais
cheguem à casa das pessoas, por um sistema de delivery sem contágio e
sem burlar as regras de isolamento, uma vez que produtos têm sido
entregues pelas próprias empresas.
Estudo da associação realizado nos
primeiros meses de 2020, apontou o WhatsApp, sites e mídias sociais como
principais meios de vendas e divulgação de produtos dessa força de
vendas. No levantamento, conta Adriana, 84,7% elegeram o WhatsApp como
principal canal de vendas e divulgação de produtos.
“Realmente, a digitalização é inevitável. O
modelo de negócio dessas empresas não para de pé sem essa inovação”,
analisa Breno Barlach, da Plano CDE. Mas para o pesquisador, no
contexto da pandemia e do isolamento, há dois lados da moeda a serem
vistos.
Segundo ele, por um lado, as vendas pela
internet (ele confirma que na base da pirâmide, isso significa
praticamente falar em WhatsApp) se tornaram a única forma de venda para
muitas mulheres e como grande parte das revendedoras de cosméticos têm
suas amigas como principais clientes, tais vendas são relativamente
simples de serem digitalizadas via WhatsApp. “Por outro lado, assim como
vemos o que está acontecendo na oferta de educação remota, há um gap
gigantesco de letramento digital”, destaca Breno. Isso significa, no
caso de pequenas revendedoras, com menor renda e escolaridade, que pode
haver dificuldades, por exemplo, em comprar no site da marca ou saber
como acessar novas clientes pelo meio digital.
Apoio à força de vendas
Presente já há algum tempo no mercado
brasileiro, a americana Mary Kay também ressalta o cenário “totalmente
novo” para todos os setores e diz estar “trabalhando dia e noite” para
buscar ferramentas para continuar apoiando o negócio de milhares de
mulheres que constituem sua força de vendas independente, para diminuir
os impactos causados pela crise da Covid-19.
Rosana Bonazzi, vice-presidente de vendas
da companhia no Brasil, conta que entre as iniciativas estão a
prorrogação de promoções, revisão de requisitos para programas e
campanhas, intensificação de conteúdo online, isenção do valor da
assinatura do Meu Site Mary Kay Plus, onde elas podem receber encomendas
online, além da entrega de materiais para apoiar a dinâmica da
consultoria de beleza de forma virtual.
“Já conseguimos ver que as Consultoras de
Beleza Independentes aprenderam que podem estar juntas de suas clientes
virtualmente, não só para vender, mas para apoiá-las inclusive
emocionalmente, esse é o jeito Mary Kay. Nós estamos oferecendo
ferramentas virtuais para elas realizarem as Sessões de Beleza Virtuais.
É também uma oportunidade de compartilharem a importância do autoamor,
autocuidado, e como pode ser maravilhoso aprender a se cuidar e se
maquiar sem sair de casa”, afirma Rosana Bonazzi.
Embora afirme que o atual contexto
certamente irá acelerar o processo de digitalização da venda direta, a
executiva diz ser cedo ainda para dimensionar esse crescimento, mas
demonstra otimismo: “Oferecemos um negócio com plano de carreira
independente que dá oportunidade para toda mulher, e com resultados
ilimitados que só dependem dela. A Mary Kay é uma grande oportunidade
para este momento, tanto para as pessoas começarem um novo negócio, com
um investimento baixo, ou até mesmo para complementarem sua renda”.
O pesquisador da Plano CDE já recomenda
cautela ao segmento. Para ele, após a pandemia, provavelmente a
atividade retomará o papel de complemento de renda. O problema é que não
se sabe a duração da pandemia e a renda de muitas revendedoras pode
cair drasticamente, tendo impactos no endividamento das famílias e com
as marcas. “A retomada do setor depende de que restem revendedoras
suficientes daqui três, quatro meses, com capacidade de investimento
(compra dos produtos para revenda). As marcas devem se atentar para
isso”, alerta Bruno Barlach.
Segundo a ABEVD, em 2019, foram
comercializados mais de dois bilhões de itens (em produtos e serviços)
por venda direta no Brasil. As categorias com mais adesão são as de
cosméticos e cuidados pessoais (54,7%); vestuário (8%); acessórios
(7,9%); cuidados da casa (6,5%); alimentos ou suplementos saudáveis
(4,3%); telefonia, internet, TV por assinatura (3,7%); livros,
brinquedos, CD, DVD, software, games (3,4%); serviços de reforma da casa
(3,3%); utensílios domésticos (3,1%); produtos financeiros (2,8%) e
vinhos e comida congelada (2,3%).